Uma coisa é certa, durante os últimos meses, com o distanciamento social por
conta da pandemia de COVID-19, as múltiplas manifestações artísticas têm se
tornado um bálsamo diário no enfrentamento de uma realidade incomum, que
põe à prova a nossa capacidade de adaptação e exige uma busca por
equilíbrio em meio à um turbilhão de notícias e novas diretrizes de
comportamento. Nesse contexto, o cinema tem executado um papel
fundamental, no qual uma boa narrativa se configura como um “respiro” no mar
de imagens repetidas, cancelamentos virtuais e da intensidade que é estar
consigo mesmo em um contexto de isolamento social, sem as distrações
habituais.
Para quem tem se disposto a sair da zona de conforto das produções
cinematográficas hollywoodianas e das séries já maratonadas na Netflix, o
cinema independente brasileiro é uma boa pedida para experimentar
sentimentos pouco vivenciados por nós baianos do interior nas nossas
experiências com o audiovisual. Eu particularmente, tenho um carinho especial
pelas produções nacionais e me agrada as sensações provocadas pela
identificação com o que vejo na tela, portanto não poderia deixar de falar sobre
Café com Canela (2017), Ilha (2018) e Até o fim (2020), três filmes baianos
produzidos pela Rosza Filmes, todos com Direção de Glenda Nicácio e Ary
Rosa.

As produções cinematográficas brasileiras mais conhecidas, que tem como
cerne a representação da Bahia com suas dores, delícias e particularidades,
normalmente tem uma ambientação central em Salvador, como por exemplos
os aclamados O Paí ó (2007) e Cidade Baixa (2005), este último tendo
também a cidade de Cachoeira como parte da narrativa. Em contrafluxo, as
três obras da Rozsa Filmes são uma ode a uma Bahia pouco vista no cinema,
talvez nunca abordada de maneira tão intensa e ao mesmo tempo leve, livre
dos estereótipos caricatos e com a construção de personagens profundos,
reais e envolventes.
Os filmes tratam com profundidade de temas complexos como o luto, as
desigualdades sociais, o racismo, a homofobia, o fazer artístico, a
transexualidade, a violência contra mulher e as relações familiares,
escancarando em tom de crítica e poesia situações comuns de um cotidiano
invisível...ou invisibilizado. Sem perder o alívio cômico das falas certeiras e do
perfil de alguns personagens que lembram uma tia, um primo ou aquela amiga
bem desbocada que sempre tem uma história pra contar e adora tomar uma
cerveja.
A suavidade, a poesia, as metáforas e a multiplicidade de interpretações
trazidas pelas cenas que abordam aspectos da cultura afro-brasileira, bem
como os rituais sincréticos do nosso cotidiano sendo vistos na tela, reforçam o
sentimento de identificação e convidam o espectador a revisitar as próprias
memórias a partir de uma abordagem intimista, que esbanja corporalidade,
pulsão criativa e boas referências.
Além de três filmes, com o elenco quase em totalidade composto por atores
negros, vale a pena destacar a performance potente de Babu Santana em Café
com canela, interpretando um personagem que escancarou a versatilidade
dele. O protagonismo de Valdinéia Soriano e Aline Brune que nos coloca em
uma montanha russa de sensações ao longo do filme. A apaixonante e intensa
performance de Aldri Anunciação e Renan Motta, e por último, e não menos
importante, as atuações de Arlete Dias, Wal Diaz, Jenny Muller e Maíra
Azevedo, que juntas criaram uma atmosfera catártica, familiar e sensível em
Até o Fim.
Vale a pena embarcar nesse universo cinematográfico recheado de Recôncavo
baiano e afetos intensos. Os filmes estão disponíveis na Amazon Prime e o
making of das produções, assim como a trilha sonora espetacular estão
disponíveis no canal da Rosza Filmes Produções no Youtube.